Novos documentos classificados como secretos e que vazaram da Agência
de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos,
obtidos com exclusividade pelo Fantástico, mostram que a Petrobras, quarta maior petroleira do mundo, também foi espionada.
A reportagem exibida neste domingo (8), aponta que a rede privada de
computadores da estatal brasileira foi invadida pela NSA, informação que
contradiz a posição oficial da agência, dada ao jornal "The Washington
Post", onde afirmou não fazer espionagem econômica de nenhum tipo,
incluindo o cibernético.
Os dados sobre a empresa estão em documentos vazados por Edward Snowden,
analista de inteligência contratado pela NSA, que divulgou esses e
outros milhares de registros em junho passado. O jornalista Glenn
Greenwald foi quem recebeu os papéis das mãos de Snowden. A Petrobras
não quis comentar o caso. A NSA nega espionagem para roubar segredos de
empresas estrangeiras.
Na última semana, o
Fantástico já havia divulgado que a presidente Dilma Rousseff e o que
seriam seus principais assessores foram alvos diretos de espionagem da
NSA.
O novo documento é uma apresentação que recebeu a classificação
"ultrassecreta" e que foi elaborada em maio de 2012, para ensinar novos
agentes a espionar redes privadas de computador – redes internas de
empresas, governos e instituições financeiras e que existem, justamente,
para proteger informações.
O nome da Petrobras, a maior empresa do Brasil, aparece logo no início
do documento mostrado pelo Fantástico, com o título “Muitos alvos usam
redes privadas”.
Não há informações sobre a extensão da espionagem, nem se a agência
americana conseguiu acessar o conteúdo guardado nos computadores da
empresa. O que se sabe, segundo a reportagem, é que a Petrobras foi alvo
de espionagem, mas não há informações a respeito dos documentos que a
NSA buscava.
Este tipo de informação é liberada apenas para quem os americanos
chamam de “Five eyes” (cinco olhos, na tradução literal), termo
utilizado para se referir aos cinco países aliados na espionagem: EUA,
Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia.
Google e governo da França também foram vítimas
O nome da Petrobras aparece em vários slides. Além da estatal, estão
listados também como alvos da NSA a infraestrutura do Google, o provedor
de e-mails e serviços de internet da companhia. A empresa, que já foi
apontada como colaboradora da agência norte-americana, desta vez aparece
como vítima.
As redes privadas do Ministério das Relações Exteriores da França e da
Swift (Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias
Globais, na tradução do inglês), cooperativa que reúne mais de 10 mil
bancos de 220 países, também foram analisadas. Qualquer remessa de
recursos que ultrapassa fronteiras nacionais necessita ser analisada
pela Swift.
Nomes de outras empresas e instituições que também passaram por
espionagem foram apagados para não comprometer operações que, segundo a
reportagem, envolvam alvos ligados ao terrorismo.
Para cada alvo há uma pasta que reúne todas as comunicações
interceptadas e os endereços de IP – a identificação de computadores
ligados à rede privada – que deveriam estar imunes a esses ataques.
De acordo com Greenwald, esses documentos trazem informações de
segurança nacional que não devem ser publicadas, por isso os vetos aos
nomes. “Ninguém tem dúvida que os Estados Unidos, assim como todos os
outros países, têm direito de fazer espionagem para garantir a segurança
nacional. Mas tem muito mais informações (...) sobre espionagem contra
inocentes ou contra pessoas que não têm nada a ver com terrorismo ou
questões industriais”, explica.
Espionagem pode ter durado muito tempo
De acordo com Paulo Pagliusi, doutor em segurança da informação e autor
de um livro sobre o tema, todas as redes privadas apresentadas nos
documentos da NSA exibidos pelo Fantástico são de empresas reais, não
são casos fictícios.
“Tanto é que tem algumas coisas que chamam a atenção. Por exemplo,
havia alguns números que estavam tapados. Por que eles estariam tapados
se não fosse um caso real e não queriam que os alunos tivessem
conhecimento”, questiona o especialista. Ainda segundo Pagliusi, tais
informações podem ter sido obtidas no decorrer de um longo período, com a
ajuda de um sistema de espionagem “muito eficaz”, que gera um resultado
“muito poderoso”.
Segundo a reportagem do Fantástico, o faturamento anual da Petrobras é
de mais de R$ 280 bilhões, maior do que a arrecadação de muitos países. A
estatal brasileira tem ainda dois supercomputadores utilizados para as
chamadas pesquisas sísmicas, que avaliam as reservas de petróleo a
partir de testes feitos em alto mar. Com esta tecnologia a empresa
conseguiu mapear o pré-sal, a maior descoberta recente de novas reservas
de petróleo no mundo.
A rede privada de computadores da empresa também guarda informações
estratégicas associadas a negócios que envolvem bilhões de reais. Por
exemplo, detalhes de cada lote de leilão marcado para outubro, que é a
exploração do Campo de Libra, na Bacia de Santos, parte do pré-sal.
Segundo Roberto Villa, ex-diretor da Petrobras, o leilão de Libra é o
maior da história do petróleo. “É um leilão de uma área que já se sabe
que tem petróleo, não tem risco. [Se essa informação vazou], alguém vai
ter vantagem. Eventualmente, se essa informação vazou e alguém dispõe
dela, ele vai numa posição muito melhor no leilão. Ele sabe onde
carregar mais e onde nem carregar. É um segredinho bom”, explica Villa.
Para Antônio Menezes, também ex-diretor da estatal brasileira, o
possível vazamento de informações sobre o campo do pré-sal é muito grave
e impactaria o mercado internacional. “Comercialmente, o efeito
internacional disso aí é de uma concorrência com carta marcada pra
alguns lugares, alguns países, para alguns amigos”, disse.
Questionado pela reportagem sobre quais informações sigilosas da
Petrobras poderiam ter sido procuradas, Adriano Pires, especialista em
infraestrutura, disse que, se fosse espião, buscaria principalmente
aquelas ligadas à tecnologia de exploração de petróleo no mar.
“A Petrobras é a [empresa] número um no mundo em explorar petróleo no
mar. E o pré-sal existe em qualquer lugar do mundo: na África, no Golfo
americano, no Mar do Norte. Então, se eu detenho essa tecnologia, posso
tirar [petróleo do] do pré-sal onde eu quiser”, afirma o especialista.
Como funciona
Na apresentação da Agência de Segurança Nacional dos EUA, aparecem
documentos preparados pela Agência de Espionagem da Inglaterra, aliada
dos americanos em questões de espionagem.
Os registros feitos pelos ingleses mostram como funcionam dois
programas: “Flying Pig” e “Hush Puppy”, que monitoram as redes privadas
por onde trafegam as informações que deveriam ser seguras. Essas redes
são conhecidas pela sigla TLS/SSL.
As redes TLS/SSL são também o sistema de segurança usado em transações
financeiras, como, por exemplo, quando alguém acessa seu banco por um
caixa eletrônico. A conexão entre o ponto remoto e a central do banco
trafega por uma espécie de túnel protegido na internet: o que passa por
ele ninguém poderia ver.
A apresentação da NSA explica ainda como a interceptação das
informações é realizada. De acordo com o documento, a espionagem é feita
por meio de um ataque à rede de computadores conhecido como “man in the
middle” (ou homem no meio, na tradução do inglês). Nesse caso, os dados
são desviados para a central da NSA e, depois, chegam ao destinatário,
sem que ninguém fique sabendo.
Os documentos divulgados por Snowden também listam os resultados
obtidos na espionagem. Segundo a reportagem, com o sistema de
espionagem, a NSA encontrou dados de redes de governos estrangeiros,
companhias aéreas, companhias de energia, como a Petrobras, e
organizações financeiras.
A apresentação da NSA mostra ainda, com detalhes, como os dados de um
"alvo" escolhido por eles vão sendo desviados, passando por filtros de
espionagem desde a origem, até chegar aos supercomputadores da agência
norte-americana.
Em um dos registros divulgados por Snowden e obtido pelo Fantástico, a
NSA diz que a América Latina é alvo chave do programa “Silverzephyr”. O
programa registra metadados, o total de informações que trafega na rede,
e o conteúdo de gravações de voz e fax.
Dilma cobrou explicações de Obama
No último domingo (1º), o Fantástico mostrou como a presidente do Brasil foi alvo direto de espionagem. Na última quinta-feira (5), Dilma se reuniu com o líder político norte-americano, Barack Obama, durante o encontro dos 20 países mais desenvolvidos do mundo (o G-20), na Rússia, e cobrou explicações.
“O que eu pedi é o seguinte: eu acho muito complicado ficar sabendo
dessas coisas pelo jornal. Eu quero saber o que há. Se tem ou não tem,
eu quero saber. Tem ou não tem? Além do que foi publicado pela imprensa,
eu quero saber tudo que há em relação ao Brasil. Tudo. Tudinho. Em
inglês, everything", disse Dilma a jornalistas.
Na última sexta-feira (6), Dilma afirmou que Obama se comprometeu a dar
explicações sobre as denúncias de espionagem dos EUA até a próxima
quarta-feira (11).
"O presidente Obama declarou para mim que assumia a responsabilidade
direta e pessoal pelo integral esclarecimento dos fatos e que proporia
para exame do Brasil medidas para sanar o problema. Diante do meu
ceticismo devido à falta de resultados do encontro entre o ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, e o vice-presidente [Joe] Biden, ocorrido
semana passada, o presidente Obama me reiterou que ele assumia a
responsabilidade direta e pessoal tanto para a apuração das denúncias
como para oferecer as medidas que o governo brasileiro considerasse
adequadas", declarou a presidente na Rússia.
Dilma afirmou ter dito a Obama que a questão não era de "desculpas",
mas de uma solução rápida. Segundo ela, estabeleceu-se a próxima
quarta-feira como prazo para uma resposta. "Como eu disse que esse
processo era um processo lento, que não queria esclarecimentos técnicos,
nao era só uma questão de desculpas,era uma questão de não admissão
desse nível de intrusão, e que era importante que fosse solucionado com
rapidez, chegou-se a uma data, quarta-feira", afirmou Dilma.
Quebra de criptografia
A reportagem do Fantástico mostra ainda que no dia em que a presidente e Obama se encontraram,
reportagem publicada simultaneamente por dois grandes jornais – o
inglês “The Guardian” e o americano “The New York Times” -- , revelou que a NSA e a GCHQ inglesa quebram os códigos de comunicações protegidas de diversos provedores de internet, podendo assim espionar as comunicações e transações bancárias de milhões de pessoas.
O texto mostrou que a criptografia, o sistema de códigos que é
fornecido por algumas operadoras de internet, já vem com uma
vulnerabilidade, inserida propositalmente pela NSA, e que permite que os
espiões entrem no sistema e até façam alterações, sem deixar rastros.
Há também sinais de que alguns equipamentos de computação montados nos
EUA já saem de fábrica com dispositivos de espionagem instalados. O “New
York Times” diz que isso foi feito com pelo menos um governo
estrangeiro que comprou computadores norte-americanos. Mas não revela
qual governo pagou por equipamentos para ser espionado.
Outro lado
A NSA enviou nota afirmando que não usa sua capacidade de espionagem
para roubar segredos de empresas estrangeiras. Questionada pelo
Fantástico sobre o motivo de ter espionado a Petrobras, a agência
norte-americana informou que isso é tudo o que tem a dizer no momento.
Após a exibição da reportagem no Fantástico, uma segunda nota de
imprensa, desta vez assinada pelo diretor nacional de inteligência dos
Estados Unidos, James Clapper, foi enviada pela Agência de Segurança
Nacional.
O órgão do governo americano alega coletar informações econômicas e
financeiras para prevenir crises que possam afetar os mercados
internacionais.
No entanto, reafirmou que não rouba segredos de empresas de fora dos
EUA que possam beneficiar companhias americanas. A Embaixada Britânica
em Brasília e o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido
informaram que não comentam assuntos de inteligência.
Fonte: G1.globo.com